Pai; em uma busca pelos meus escritos não encontrei nenhuma poesia ou
texto que defina a altura o que é ser pai. Não porque não tenha nada em mente
para falar sobre este assunto; muito pelo contrário, pois também tenho esta
experiência, mas talvez porque na verdade nunca tive coragem. Sim, coragem. Já
havia escrito poesia que criticava o ato um pouco exagerado quando você bebia,
nada contra o porre, mas porque me preocupava com sua saúde. Encontrei também
uma que dizia que envelheceríamos juntos e que ainda mais velha seria a nossa
amizade. Hoje estou um pouco envelhecido e sinto não poder compartilhar mais
esta nossa antiga e eterna amizade, pois você se foi e me deixou aqui para
continuar a trilhar o meu caminho, tentar realizar meus sonhos e acima de tudo
cumprir a minha missão.
Assim estou escrevendo este pequeno e humilde texto,
sem retórica, com pouco brilhantismo, que não foi publicado e nem laureado, mas
que traduz o único e mais importante prêmio que ganhei na vida: A oportunidade
de ter um pai como você, que me adotou, criou e me fez crescer consciente de
que tudo o que fez foi em prol da minha felicidade. E neste momento eu continuo
sem coragem.
Infância sem sofrimento devo a
ti, que me tirou da pobreza e
me acolheu como filho. Adolescência sem grandes transtornos longe de drogas,
bebidas, cigarros e com uma leve pitada de rebeldia
também devo a ti, e enfim, de criança a
homem adulto pude acompanhar seus passos
e ter liberdade de seguir os meus, portanto só tenho a agradecer
pela confiança, pela dedicação, pelo amor que me
deu. Estou certo de que meu
pai biológico, tanto como eu só teve orgulho de poder contar com você para ser
o verdadeiro pai deste filho, que muito te amou. Agora sim criei
coragem de dizer que sinto muita saudade
dos seus sessenta minutos de
risadas contagiantes e não consigo admitir ter perdido este riso para um
câncer que o tirou de mim. Queria poder ainda pegar em sua mão e caminharmos
juntos alegres e sorridentes por qualquer caminho. Quem sabe, amanhã...
Flecha em
chamas corta arco-íris
no céu
americano
Bernardo
Santos
O que
sabemos das culturas indígenas? O que nos foi contado pelos filmes de faroeste
talvez seja a melhor resposta. E das culturas africanas o que sabemos? O que
nos ensinou o professor Tarzan, com certeza.
Mas os índios, com o
incansável lema dos americanos de que para resolver ogrande problema indígena é preciso que os índios deixem de ser
índios. Apaga-los do mapa ou apagar-lhes a alma, continuam sofrendo, vítimas do
preconceito e do racismo; com isso, uma terça parte de suas selvas foram
aniquiladas e milhares deles mortos por ordem e progresso. E se a maioria acha
que toda a sua cultura resume-se ao que os filmes de faroeste nos mostram e ao
que o professor Tarzan nos ensinou, mesmo sem nunca ter pisado na África,
provavelmente ainda tem muito a aprender.
Apenas para
elucidar como os índios são renegados, uma pesquisa realizada por Eduardo
Galeano, publicada na Revista Nossa América, define alguns pensamentos e ideias
acerca do que representa os índios no contexto socioeconômico e cultural na
visão dos homens brancos intelectuais do universo americano.
Os fragmentos apresentados de acordo com o Ministério da Saúde
podem fazer mal para os seus olhos durante a leitura, mas para a história universal,
que continua indiferente, e negando a identidade dos índios tirando-lhes o
direito de ser, proibindo-lhes o direito de viver a seus modos, maneiras e
costumes, revela-nos uma América cega, ou uma América que finge não querer
enxergar.
___Cristóvão
Colombo escreveu em seu diário que ele queria levar alguns índios à
Espanha para aprenderem a falar. Um índio Mixteco foi considerado retardado
mental porque não falava corretamente a língua castelhana.
___O
Paraguai fala Guarani caso único na história universal e no
entanto, a maioria dos paraguaios opina, que os que não entendem espanhol são
como animais.
___De cada
dois peruanos, um é índio, e a Constituição do Peru diz que o Quéchua é
um idioma tão oficial como o espanhol, porém a realidade não escuta. O Peru
trata os índios como a África do Sul trato os negros.
___Os
funcionários do Registro Civil de Buenos Airies negaram-se a registrar
o nascimento de um menino. Os pais, indígenas da província de Jujuy, queriam
que seu filho chamasse Quori Wamancha, um nome de sua língua. Não foi aceito
por tratar-se de nome estrangeiro.
___ Henry Pratt,
coronel norte-americano, aconselhava: Matar o índio é salvar o homem.
___Mário Vargas
Llosa, escritor,explica: Não há outro remédio a não ser
modernizar os índios, mesmo que seja preciso sacrificar suas culturas para
salva-los da fome e miséria.
___Gabriel
René, historiador, acreditava que os índios eram asnos, que geram mulos
quando cruzados com raça branca.
___ Ricardo
Palma, peruano, escreveu que os índios são uma raça abjeta e
degenerada.
___Domingo
Faustino, argentino: São mais indômitos, animais mais teimosos, menos
aptos para a civilização e assimilação europeia.
___ Maurício
Rangel Reis, ministro do interior do Brasil: O problema indígena ficará
completamente solucionado no final do séc. XX; todos os índios estarão
devidamente integrados na sociedade brasileira, e não serão mais índios. A
Funai irá se encarregar de civiliza-los, ou seja, de desaparece-los.
Este pequena
retrospectiva desde a colonização das Américas até os dias atuais é prova de
que não houve grande transformação nesta relação branco e índio. Cada qual
procura defender suas ideias, conceitos, mitos e crenças que melhor se adaptem
às suas necessidades e interesses. Não se pode rotular a cultura indígena como
decadente, uma vez que a cultura branca também caminha num processo de
decadência.
(Texto baseado na
pesquisa de Eduardo Galeano in Revista Nossa América, Edição Março/Abril 1992,
pgs. 56 a 67).